O Desenvolvimento da criança através do mundo do "faz de conta"
No presente artigo estaremos usando a expressão
faz-de-conta com o seguinte sentido: uma conduta lúdica da criança que usa a
representação dramática sem as preocupações que a palavra representar tem no seu
sentido usual, ou seja, para um público, para ser apreciada por observadores.
É uma atividade psicológica de grande
complexidade, é uma atividade lúdica que desencadeia o uso da imaginação
criadora pela impossibilidade de satisfação imediata de desejos por parte da
criança.
Essa atividade enriquece a identidade da criança,
porque ela experimenta outra forma de ser e de pensar; amplia suas concepções
sobre as coisas e as pessoas, porque a faz desempenhar vários papéis sociais ao
representar diferentes personagens.
Quando brinca, a criança elabora hipóteses para a
resolução de seus problemas e toma atitudes além do comportamento habitual de
sua idade, pois busca alternativas para transformar a realidade. Os seus sonhos
e desejos, na brincadeira podem ser realizados facilmente, quantas vezes o
desejar, criando e recriando as situações que ajudam a satisfazer alguma
necessidade presente em seu interior.
Vygotsky assinalou que uma das funções básicas do brincar é permitir que a criança aprenda a elaborar/ resolver situações conflitantes que vivencia no seu dia a dia.
Vygotsky assinalou que uma das funções básicas do brincar é permitir que a criança aprenda a elaborar/ resolver situações conflitantes que vivencia no seu dia a dia.
E para isso, usará capacidades como a observação,
a imitação e a imaginação.
Essas representações que de início podem ser
"simples", de acordo com a idade da criança, darão lugar à um faz de conta mais
elaborado, que além de ajudá-la a compreender situações conflitantes ajuda a
entender e assimilar os papéis sociais que fazem parte de nossa cultura ( o que
é ser pai, mãe, filho, professor, médico, ... ). Através desta imitação
representativa a criança vai também aprendendo a lidar com regras e normas
sociais. Desenvolve a capacidade de interação e aprende a lidar com o limite e
para tanto, os jogos com regras são fundamentais, principalmente a partir dos 06
anos aproximadamente.
Quando Vygotsky discute o papel do brinquedo,
refere-se especificamente à brincadeira de "faz-de-conta", como brincar de
casinha, brincar de escolinha, brincar com um cabo de vassoura como se fosse um
cavalo. Faz referência a outros tipos de brinquedo, mas a brincadeira
"faz-de-conta" é privilegiada em sua discussão sobre o papel do brinquedo no
desenvolvimento.
As crianças evoluem por intermédio de suas
próprias brincadeiras e das invenções das brincadeiras feitas por outras
crianças e adultos. Nesse processo, ampliam gradualmente sua capacidade de
visualizar a riqueza do mundo externamente real, e , no plano simbólico procuram
entender o mundo dos adultos, pois ainda que com conteúdos diferentes, estas
brincadeiras, possuem uma característica comum: a atividade do homem e suas
relações sociais e de trabalho. Deste modo, elas desenvolvem a linguagem e a
narrativa e nesse processo vão adquirindo uma melhor compreensão de si próprias
e do outro, pela contraposição com coisas e pessoas que fazem parte de seu meio,
e, que são portanto, culturalmente definidas também.
Para Vygotsky, ao reproduzir o comportamento
social do adulto em seus jogos, a criança está combinando situações reais com
elementos de sua ação fantasiosa. Esta fantasia surge da necessidade da criança,
como já dissemos, em reproduzir o cotidiano da vida do adulto da qual ela ainda
não pode participar ativamente. Porém, essa reprodução necessita de
conhecimentos prévios da realidade exterior, deste modo, quanto mais rica for a
experiência humana, maior será o material disponível para as imaginações que
irão se materializar em seus jogos.
A construção do real parte então do social ( da
interação com outros), quando a criança imita o adulto e é orientada por ele, e
paulatinamente é internalizada pela criança. Ela começa com uma situação
imaginária, que é uma reprodução da situação real, sendo que a brincadeira é
muito mais a lembrança de de alguma coisa que de fato aconteceu, do que uma
situação imaginária totalmente nova. Conforme a brincadeira vai se desenvolvendo
acontece uma aproximação com a realização consciente do seu propósito.
Vygotsky coloca que o comportamento das crianças
em situações do dia a dia é, em relação aos seus fundamentos, o contrário
daquele apresentado nas situações de brincadeira. A brincadeira cria zona de
desenvolvimento proximal da criança que nela se comporta além do comportamento
habitual para sua idade, o que vem criar uma estrutura básica para as mudanças
da necessidade e da consciência, originando um novo tipo de atitude em relação
ao real. Na brincadeira, aparecem tanto a ação na esfera imaginativa numa
situação de faz-de-conta, como a criação das intenções voluntárias e as
formações dos planos da vida real, constituindo-se assim, no mais alto nível do
desenvolvimento pré-escolar. ( Vygotsky, 1984, p.117).
Outro aspecto importante colocado por Vygotsky
(1984) é que, no jogo de faz-de-conta, a criança passa a dirigir seu
comportamento pelo mundo imaginário, isto é, o pensamento está separado dos
objetos e a ação surge das idéias. Assim, do ponto de vista do desenvolvimento,
o jogo de faz-de-conta pode ser considerado um meio para desenvolver o
pensamento abstrato.
A interpretação de Vygotsky atribui ao jogo
imaginário uma dupla tendência - com ações subordinadas ao real, pelos seus
vínculos com acontecimentos e regras daquilo que é vivenciado, e com a
transformação do real, pelas possibilidades de recombinação criativa das
experiências, conforme salienta Rocha (1994). No entanto, segundo a mesma
autora, a primeira tendência foi enfatizada por outros autores da abordagem
histórico-cultural, tendo sido subestimado aquilo que o teórico esboçou como
processo de criação imaginativa. Tanto a atividade lúdica quanto a atividade
criativa surgem marcadas pela cultura e mediadas pelos sujeitos com que ela se
relaciona.
Mas além de ser uma situação imaginária, o
brinquedo é também uma atividade regida por regras. Mesmo no universo do
"faz-de-conta" há regras que devem ser seguidas. Ao brincar de ônibus, por
exemplo, exerce o papel de motorista. Para isso tem que tomar como modelo os
motoristas reais que conhece e extrair deles um significado mais geral e
abstrato para a categoria "motorista". Para brincar conforme as regras, tem que
esforçar-se para exibir um comportamento ao do motorista, o que a impulsiona
para além de seu comportamento como criança. Tanto pela criação da situação
imaginária, como pela definição de regras específicas, o brinquedo cria uma zona
de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo a criança comporta-se de
forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também aprende a
separar objeto/significado.
Vygotsky vem quebrar a dicotomia de
mundo-adulto-sério-real e mundo-infantil-lúdico-fantasioso. Fantasia e realidade
se realimentam e possibilitam que a criança - assim como os adultos - estabeleça
conceitos e relações; insira-se enquanto sujeito social que é. Ele sinaliza que,
ao brincar, a criança não está só fantasiando, mas fazendo uma ordenação do
real; tendo a possibilidade de ressignificar suas diversas experiências
cotidianas. Não podemos nos esquecer de que para ele, a imitação, o
faz-de-conta, permite a reconstrução interna daquilo que é observado
externamente e, portanto, através da imitação são capazes de realizar ações que
ultrapassam o limite de suas capacidades.
Pois, se através da imitação (no sentido
atribuído por Vygotsky, um instrumento de reconstrução), a criança aprende, nada
mais positivo que a escola promova situações que possibilitem a imitação, a
observação e a reprodução de modelos.
Logicamente o sentido de imitação explícito nas
idéias no autor, não pode ser confundido com o que podemos constatar ainda em
tantas escolas: proposição de atividades que visam tão somente a reprodução,
descontextualizadas, imitações mecânicas de modelos fornecidos pelos
professores, as "famosas cópias" de desenhos fornecidos pelos docentes ou
retirados de alguma cartilha. As situações de imitação precisam intervir e
desencadear um processo de aprendizagem.
A promoção de atividades que favoreçam o
envolvimento em brincadeiras, principalmente aquelas que promovem a criação de
situaçoes imaginárias, têm nítida função pedagógica. A escola e, particularmente
a pré-escola, poderiam a partir desse tipo de situações, atuar no processo de
desenvolvimento das crianças. Principalmente na pré-escola, a brincadeira não
deveria ser considerada uma atividade de passatempo, sem outra finalidade que a
diversão.
Para tanto, é preciso, inicialmente, considerar
as brincadeiras que as crianças trazem de casa ou da rua e que organizam
independentemente do adulto, como um diagnóstico daquilo que já conhecem, tanto
no diz respeito ao mundo físico ou social, bem como do afetivo e, é necessário
que a escola possibilite o espaço, o tempo e um educador que seja o elemento
mediador das interações das crianças com os objetos de conhecimento.
Bibliografia:
ROCHA, M.S.P.M.L. (1994) A constituição social do brincar: Modos de abordagem do real e do imaginário no trabalho pedagógico. Dissertação de Mestrado, UNICAMP
Vygotsky. A formação social da mente. Martins Fontes, 1984.
ROCHA, M.S.P.M.L. (1994) A constituição social do brincar: Modos de abordagem do real e do imaginário no trabalho pedagógico. Dissertação de Mestrado, UNICAMP
Vygotsky. A formação social da mente. Martins Fontes, 1984.
Marcio A Souza - O Professor, palestrante, coach pessaol e de vestibular e terapetua
fonte 19-991507366 // rvmarcio1@gmail.com
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